quarta-feira, 10 de maio de 2017

Verba volant, scripta manent

Ao acompanhar a operação Lava Jato e todos os demais processos (de outras operações da PF)  contra Lula fica claro de que o ex-presidente não é defendido pelos seus advogados. Eles não vão além procrastinar, ou seja, provocar chicanas, sem mostrar provas concretas da sua inocência. Passam a mostrar, desta forma, que as denúncias são verdadeiras.  E são, pois são corroboradas por documentos.

Um leitor da revista Veja levanta uma questão a respeito da justiça e da lei: a lei serve à justiça ou a justiça serve à lei. Parece-me que até agora os operadores do direito têm agido no sentido de a justiça servir à lei. Mais claramente às “falhas” da lei que os bons advogados fazem isto com proficiência. Assim fazendo, esta geração de advogados – e muitos juristas – embevecem as plateias, do alto dos seus púlpitos, através do dom das palavras. Com o PT e seus aliados têm feito através das suas narrativas. “Verba volant, scripta manent”, ("as palavras voam, os escritos ficam") lembrou Temer na sua famosa carta quando pela primeira vez tornou pública a sua dissenção com a então presidente Dilma. A escrita nas redes sociais “volant”. Situação deste escrito quando o descuidado leitor chegar ao seu final. Tal quais as narrativas elaboradas pelos grupos lulopetistas em defesa de Lula e de Dilma. Não é o que acontece com os documentos coletados pelos atuais investigadores judiciais. Este choque de gerações ficou bem claro em declarações do Ministro Gilmar Mendes ao criticar os procuradores federais.

Todos são iguais perante a lei. Alguns são mais iguais. Como Lula se acha. E Dilma também. A inocência de Lula não está nos seus atos, mas no que ele declara. Mesmo que vá contra a lógica. E contra os fatos.

Pelo menos em uma coisa o lulopetismo será lembrado. Ou melhor, em duas. A primeira pela crise social, política e ética que fez o Brasil mergulhar e a segunda a de possibilitar o surgimento de novos operadores do Direito. 

Ao acompanhar a operação Lava Jato e todos os demais processos (de outras operações da PF)  contra Lula fica claro de que o ex-presidente não é defendido pelos seus advogados. Eles não vão além procrastinar, ou seja, provocar chicanas, sem mostrar provas concretas da sua inocência. Passam a mostrar, desta forma, que as denúncias são verdadeiras.  E são, pois são corroboradas por documentos.

Um leitor da revista Veja levanta uma questão a respeito da justiça e da lei: a lei serve à justiça ou a justiça serve à lei. Parece-me que até agora os operadores do direito têm agido no sentido de a justiça servir à lei. Mais claramente às “falhas” da lei que os bons advogados fazem isto com proficiência. Assim fazendo, esta geração de advogados – e muitos juristas – embevecem as plateias, do alto dos seus púlpitos, através do dom das palavras. Com o PT e seus aliados têm feito através das suas narrativas. “Verba volant, scripta manent”, ("as palavras voam, os escritos ficam") lembrou Temer na sua famosa carta quando pela primeira vez tornou pública a sua dissenção com a então presidente Dilma. A escrita nas redes sociais “volant”. Situação deste escrito quando o descuidado leitor chegar ao seu final. Tal quais as narrativas elaboradas pelos grupos lulopetistas em defesa de Lula e de Dilma. Não é o que acontece com os documentos coletados pelos atuais investigadores judiciais. Este choque de gerações ficou bem claro em declarações do Ministro Gilmar Mendes ao criticar os procuradores federais.

Todos são iguais perante a lei. Alguns são mais iguais. Como Lula se acha. E Dilma também. A inocência de Lula não está nos seus atos, mas no que ele declara. Mesmo que vá contra a lógica. E contra os fatos.


Pelo menos em uma coisa o lulopetismo será lembrado. Ou melhor, em duas. A primeira pela crise social, política e ética que fez o Brasil mergulhar e a segunda a de possibilitar o surgimento de novos operadores do Direito. 

terça-feira, 2 de maio de 2017

Festa religiosa no Rio Sagrado.

Festa religiosa no Rio Sagrado.

As minhas lembranças sobre Morretes tomam vida quando procuro dar-lhe vida num determinado momento da sua história que é, também, a minha história.

Quando vou a Morretes fico admirado com a quantidade de bicicletas. Parecem ser mais uma parte dos ciclistas do que um meio de condução. No meu tempo de guri poucos possuíam uma bicicleta. Elas eram muito caras para o poder aquisitivo dos morretenses. A minha bicicleta era um Dürkopp que fora do meu pai desde o seu tempo de solteiro. Eram bicicletas reforçadas que aguentavam bem as estradas de roça de Morretes. O exército italiano equipou tropas bersaglieri de infantaria ligeira. Os alemães também tinham as suas tropas de ciclista e até os norte-americanos chegaram usar bicicletas no século XIX.

A Dürkopp apresentava a sua “marcialidade” com um “D” cortado com uma flecha no para-lama dianteiro. Apresentava algum perigo, mas tal um bersaglieri eu costumava ir à casa de tio Tonicão ajudar fazer caixeta para embalar as sua goiabada. Tio Tonicão era uma parada. Não sabia falar se não tivesse um PQP no meio de cada frase. Um dia chegaram uns fregueses comprar goiabada e reclamaram do preço. Ele respondeu que “PQP, então não compre”. Tia Maria, muito respeitosa, acudiu e repreendeu: não fale palavrão, Tonico!... Ele respondeu: PQP, não falo... Mas continuou a falar e ela vendeu a goiabada aos clientes. Eu gostava de ajudar fazer caixetas enquanto conversávamos.

Tio Tonicão tinha um carrinho “todo-duro”. Era uma carroça de duas rodas sem molejo, puxado por somente um cavalo. Um dia ele vinha do Central pela estrada do Funil, ao passar por uma pontezinha o cavalo se assustou e caiu no rio. O Tio pulou na água e ficou segurando a cabeça do cavalo fora da água. Nisto aparece o Sebastião Farias e começou a rir. Olha aqui, seu FDP, ao invés de ficar rindo venha me ajudar a tirar este cavalo daqui. Sebastião assustou-se com “a ordem”, pulou na água e o ajudou.

Passado algum tempo, Sebastião era frentista do posto do seu Estevão  defronte à Igreja de São Benedito e o Tampa Diabo estava pintando a Igreja. Ele era o líder do PTB (o antigo, de Getúlio) porque era bandoleiro. Até os soldados tinham medo dele. Terbek era da boa paz e por isto Tampa Diabo o provocava. Neste dia passou pro ali, foi provocado, experimentou o seu revólver e voltou onde Tampa Diabo estava. Quando as provocações começaram, Terbek sacou o revolver e deu dois tiros. Dizia-se em Morretes que o segundo não era necessário, pois Tampa Diabo nem o sentiu.

Sebastião era o frentista do posto e assistiu tudo. Foi testemunha do julgamento. O juiz perguntou onde ele estava no primeiro tiro. No Posto, respondeu. E no segundo? No matadouro, distante uns dois quilômetros e meio. Quando contei para tio Tonico, exclamou, PQP, “pauroso”! Para ajudar precisa brigar, mas com “paura’ sabe correr.

Gostava muito de conversar com tio Tonicão e com isto jantava com ele e voltava noite. E a reta do Porto era escura. O que nos guiava era uma luz fraquinha de um posto defronte a Igreja de São Benedito. As noites eram muito escuras. Numa delas bati num obstáculo. Ouvi um grito! FDP! (Por extenso!) Precedido de um grito de dor. Pelo grito e circunstância bati atrás de um homem. Ele foi atingido pela flecha do “D” da Dürkop. Não sei quem eu atropelei e o atropelado provavelmente não descobriu que o atropelou.

Nesta época, que eu me lembro, havia somente um “carro de praça’ em Morretes. Taxi era coisa de filmes americanos que passavam no cinema do seu Nhozinho. O meu pai teve carro de praça opor uns tempos, mas o chofer de praça mais longevo em Morretes era o seu Leopoldo. Era o chofer de praça mais longevo. O seu automóvel era uma ramona fabricada da década de 20. Como não havia peças sobressalentes ele mesmo fabricava as peças. Como não havia lonas de freio ele fabricou uma de ferra. Quando pisava no freio, Morretes escutava.

O que mais havia em Morretes eram as charretes, as aranhas, o carrinhos toco duro e os carrinhos com mola. As charretes usavam pneus e na maioria tinha molas. As Aranhas eram charretes com roda de ferro, como as das carroças.

Havia mais caminhões do que automóveis. Muitas pessoas tinham carrinho de mão quando transportavam algum peso.

Como a maioria dos veículos era puxada por animais e também havia muitos animais de montaria; os ferreiros eram os profissionais muito requisitados. Os mais conhecidos eram o seu Scremin e o seu Lourencinho. E eram vizinhos. O que separava as duas ferrarias era a casa do seu Lourencinho. Seu Lourencinho e dona Lúcia, sua esposa eram muito prestigiados na Igreja. Dona Lúcia fabricava hóstia e seu Lourencinho costumava arrumar uma charrete ou uma aranha para que o Pe. Camargo. E Valdinho, desde cedo se tornou sacristão. Foi através dele que eu me tornei sacristão e logo na primeira vez provoquei um atraso na missa porque eu não sabia onde estava o vinho que o padre usava para os sacramentos na missa. Valdinho conhecia do o processo da missa e eu não conseguia lembrar, por isto ele era o sacristão de confiança.

Uma vez eu cheguei em Morretes e propus para Valdinho ensinar a gurizada a bater sino. Para cada cerimônia havia uma batida. Uma batida alegre para as coisas alegres, uma batida triste para fatos tristes. Ele me falou que não houve cuidado e os sinos estavam rachados. Ao chegarmos às escadarias da Igreja Matriz encontramos um padre idoso; fui apresentado ao padre com a informação que nós fomos os melhores sacristães, só que eu me tornara ateu. Na verdade eu não sou ateu. Nem teísta. Mas o padre saiu dali sem ao menos se despedir.

Naqueles tempos só havia as igrejas católicas e uma batista, na pracinha da Estação. E o Centro Espírita. Além das festas nas igrejas da cidade, também havia festas nas igrejas dos sítios. O Padre e os sacristãos eram bem tratados. Enquanto eu Valdinho fomos sacristãos sentíamo-nos socialmente prestigiados. Principalmente nos sítios.

Uma vez fomos “fazer” a festa no Rio Sagrado. Era rezada a missa e a tarde uma procissão, muitas vezes no pátio igreja. Saímos da cidade antes de amanhecer o dia. Desta vez, Jairo, sobrinho de Dona Sebastiana da telefônica falou para nós que queria ir junto. Se você arrumar uma bicicleta pode ir, mas não sei se haverá comida, pois nós almoçamos na casa do festeiro.

Jairo se aprontou antes de nó. Quando chegamos ele estava nervoso, imaginando que o havíamos deixado para trás. Valdinho com uma aranha, eu de bicicleta e Jairo também  de bicicleta fomos buscar o padre na casa paroquial, onde hoje é uma casa de material de construção dos Stocco. Lá fomos nós. Valdinho com o Padre na aranha, eu e Jairo de bicicleta acompanhando-o. Vencemos a reta a partir de Morretes, subimos a primeira subida do Morro Comprido, a segunda e quando chegamos numa curvinha da ponte do Passa Sete olhei para trás não vi Jairo. Chamamos e nada. Retornei para procurar, chamando-o até que ouvi baixinho, “estou aqui”. Jairo dormiu na bicicleta, saiu da estrada e caiu sobre uns arbustos que os impediam sair dali sem auxílio.

Jairo ficou tão assustado que preferiu voltar para casa. Perdeu a festa do Rio Sagrado.

O Rio Sagrado era um bairro bem povoado e ali moravam pessoas de grande influência na cidade, como seu Dorcílio, seu Tanus e outros que não me lembro de nome. Minha avó materna foi professora da escola do Rio Sagrado quando foi removida de Guajuvira (Araucária) para a escola do Rio Sagrado. Diariamente fazia uma boa caminhada do Petinga até a escola. A minha mãe foi aluna da minha vó e daí foi a Curitiba, matriculou-se no Instituto de Educação. Formada, retornou para Morretes.


(Esse texto não foi editado)

sexta-feira, 24 de março de 2017

Os porcos e os suínos

Em Curitiba circulava o jornal O Dia. Os meus pais eram assinantes deste jornal e eu seu leitor assíduo. Foi este jornal, vendido a quilo, que permitiu comprar o vidro do ginásio, que contei numa das minhas lembranças em Morretes Notícia. Era eu que sempre estava em casa quando Dagoberto vinha entregar o jornal, ansioso para ler a charge do Chico Fumaça. Fico pensando: acho que errei de profissão; deveria estudar jornalismo. Josué, filho da Dona Rosinha, neto de Dona Isaura, talvez tenha sido o primeiro morretense a ingressar num curso jornalismo. Senti aquele clique de quem diz: por que não fiz? Falo isto, pois gostava de dar as notícias em primeira mão. Mas o que é a etnografia se não contar histórias? Do Chico Fumaça e outras notícias interessantes para mim, na fase de pré-adolescência e na adolescência. Os comentários e as críticas muitas vezes contundentes, mas numa linguagem que o pré-adolescente e adolescente imaginava ser para ele.

 Eu era leitor de Chico Fumaça e da coluna do Elói Montalvão, dois personagens de um só autor, Alceu Chichorro. Chico Fumaça, Dona Marcolina pareciam ser o seu altar-ego. O foco deste colunista, fui compreender depois, era a política.

Na Morretes da minha geração a política era algo muito próximo e o sistema partidário de então era bem representado. Getúlio Vargas criou dois partidos, o PSD para os ricos e o PTB para os pobres. Para a pequena burguesia ficou a UDN. Morretes era dividida pelo futebol e pela política e o PTB era muito forte na passagem da década de 40 para a de 50. Em 51 conseguiu eleger seu Corrêa Lima, prefeito de Morretes. Se a memória não falhar, Juca Pereira era o seu vice. Mas, me lembro bem, era o dirigente do PTB morretense. Corrêa Lima era chefe de trem e Juca Pereira o concessionário do bar da estação ferroviária. Os ferroviários, quase todos, eram petebistas.

Todo morador de cidade pequena é bairrista; ver uma referência à sua cidade, mesmo que seja implícita, fica radiante. Como no dia em que li o comentário de Eloi Montalvão que um prefeito de uma cidade do litoral, ex-chefe de trem, recebeu um manifesto de carga onde constava que na composição havia dois vagões com suínos. Corrêa Lima, ao fazer a conferência da carga, enviou um telegrama informando que os dois vagões de suínos não faziam parte da composição, mas que havia dois vagões de porcos não relacionados no manifesto. Juca Pereira escreveu para o colunista falando da injustiça contra Corrêa Lima, um bom homem (realmente era!). Elói Montalvão publicou a carta de Juca Pereira e logo abaixo respondeu que não citara nome e que se a carapuça serviu, não tinha culpa. O silencio é a melhor forma para não vestir carapuças.


Este  texto foi publicado em http://www.morretesnoticia.com.br e em mcherobim.multiply em 29-Jul-2007, sites que não mais existem.

segunda-feira, 22 de agosto de 2016


A Estação Ferroviária e as madrugadas curitibanas.



Cheguei do colégio, coloquei o relógio para despertar às seis e meia e fui dormir. Morava com tio Juca, na Sete de Setembro a meia dúzia de quarteirões  da estação ferroviária. Dava bem para levantar, ir ao Café Expresso tomar um café com um pão com manteiga e pegar o trem. Gostava do café ali, pois a água chiada do chimarrão era gelada perto deles.

Mas aquela manhã estava diferente. O dia ainda não havia clareado e a avenida estava deserta. Os meus passos ecoavam na calçada. Uma manhã diferente. Cheguei na Estação Ferroviária e estava fechada. Que barbaridade! O que estaria acontecendo? O Café expresso também.

Havia um carro de praça do ponto. Era com os taxis eram chamados. Acordei o motorista, ele abriu o vidro com uma cara zangada, perguntei porque a Estação estava fechada Olha no relógio que você vai saber porquê! Eu olhei, mas o relógio está parado! Respondi. Parado uma ova! O meu aqui marca a mesma hora, olhando para o cebolão que tirou do bolso. Cebolão eram aqueles relógios de bolso.

Fui embora fazer tempo para pegar o trem. Eu havia ligado o despertador, mas esquecera de acertar o relógio. Resolvi esticar o corpo e esqueci-me de ligar o despertador.

Acordei assustado com tio Juca, preocupado,  perguntando se eu estava doente. Contei para ele e ele caiu na risada. Viajei à tarde no misto.

Tio Juca achava que eu era desligado. Ele e tia Angelita viajaram de férias. Foram passear no Rio de Janeiro. Uma viagem de um mês. Antes de viajar minha tia falou para avisar o leiteiro para suspender a entrega do leite até a volta.

Eram aquelas garrafas de vidro, com um litro de leite gordo. Nos finais de semana, quando eu ia a Morretes, na volta tinha três garrafas. E o leite começou a coalhar. Naquele mês tomei trinta litros do coalhada.

Havia um dia da semana, acho que nas segundas feiras, em que a tia Angelita ia à missa das almas na Igreja do Bom Jesus. A missa começava às da manhã a uns três quarteirões. Eu a acompanhava.

Um dia chegamos e encontramos o portão fechado. Ela tocou uma campainha e atendeu um vigilante. Informou que a Igreja estava fechada naquele dia para reforma e que a missa seria no colégio São José, do outro lado da praça.

O Colégio São José era um colégio para moças e tinha um pensionato para moças solteiras que iam a Curitiba para estudar ou para trabalhar. A atendente informou que deveríamos Ir por aquele “corredor até o final e subir a escada”. Lá fomos. Minha tia na frente e eu atrás. Ainda bem!

A atendente não informou que a capela ficava no penúltimo andar. No último andar era o dormitório das moças. Chegamos no momento em que elas estavam levantando. Imaginem as moças pudicas, há sessenta e dois anos, chegando acompanhada com um guapo rapaz.






segunda-feira, 15 de agosto de 2016

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Tio João e a história da Rosa Homem


Eu estava no ginásio e o meu pai conseguiu com o seu Marquinho De Bona para que eu estagiasse no escritório do Marquinho Malucelli (havia vários Marcos e Marquinhos em Morretes!). Marcos De Bona era o chefe do escritório era um homens de mil atividades, dentre ela Presidente do Clube Sete de Setembro e agente  de uma companhia de capitalização, Bahia Capitalizações. Nos horas de folga (se havia) era correspondente do jornal O Dia em Morretes e era chamado para fazer discursos. A sua filha Lígia publicou um livro com a coletânea de parte dos seus discursos, com um título sugestivo Tenho dito....

Lá no escritório trabalhavam, pela ordem hierárquica, Darcy, Lívio e João Veloso, três antoninenses importados para jogar no time Operário Futebol Clube. E também trabalhava Odith Salomão, minha amiga desde o início do curso primário. E eu estagiário.

Para ganhar alguns trocados seu Marquinho pedia que eu auxiliasse no Sete para servir as mesas. Eu não tinha muito jeito para este trabalho; o que eu gostava era cobrar as mensalidades da Bahia Capitalização e todos os cantos do município, menos na área central da cidade, obrigação de Odith.

O único local da cidade que eu cobrava era na casa da Olga, a zona de Morretes. Dona Olga era uma mulher de respeito. Todos respeitavam. Ela deveria saber muitos segredos dos cavalheiros nativos e visitantes.

Casa da Olga era a referência politicamente correta. Mas a referência corrente era de zona ou puteiro. Diferente da Casa de Eni de Bauru, o puteiro mais famoso e prestigiado do Estado de São Paulo. “Para a população local, Eny possuía um lado demoníaco e outro angelical. Financiou diversas obras de caridade e encontrou famílias para crianças abandonadas”[1]. As más línguas  diziam que ela produzia mulheres para o seu negócio, mas não. Recentemente foi publicado um livro biográfico de Eni, escrito por um jornalista de Bauru[2].

As cafetinas – e as prostitutas - costumam ser pessoas respeitadas e ao mesmo tempo desprestigiada, como o autor relata a respeito de Eny Cezarino. Em Aragarças havia Joana Boa, tratada como Tia Joana, pelos fabianos (militares da FAB). Quando foram construídos os aeroportos do Cachimbo e de Jacareacanga, o então Major Veloso, que ficou conhecido por liderar a Rebelião de Jacareacanga, contratava Joana Boa para periodicamente arregimentar prostitutas para os trabalhadores dos aeroportos em construção. Estes trabalhadores ficavam isolados por um largo tempo e as prostitutas aliviavam as tensões.

Conheci Joana Boa em 1959. Residia em Goiânia no bairro do Botafogo e tratava os sargentos de pouca idade, longe das suas famílias como se fossem seus filhos. Ela já era uma ex-cafetina. Um dos livros de Mário Vargas Llosa, Pantaleão e as visitadoras, lembra, em alguns aspectos, a relação de agenciamento entre Veloso e Joana Boa.

Somos herdeiros, nas culturas ocidentais, de uma misoginia que nos remete às eras pré-cristãs colocando as mulheres numa posição subalterna aos homens. As prostitutas têm algo de Lilith, a primeira Eva, portadora da uma face demoníaca e de outra angelical, mas sem o caráter subserviente  e “erradiço[3]” em relação segunda Eva. Esta Eva foi feita da costela do homem para servir a ele. Como a costela é curva ela nunca ficará ereta como o homem e por isto deverá ficar sempre sob a sua proteção.

A prostituta tem um caráter de Lilith no imaginário das pessoas e as mulheres “honestas” da segunda Eva. Sempre sob a ameaça de ser iludida por alguma serpente. O homem quando ingressa num bordel entra num mundo diferente, fonte de muitas crenças e preocupações que colocam em perigo a sua masculinidade, poderosa, no mundo fora dos bordeis. 

Nesta época, início da década de 50 do século passado, Tio João Fante e tia Regina Fante, dois irmãos, ele solteiro e ela viúva, moravam na reta do Porto. Eles eram meus tios avós. Os sobrinhos netos são tratados como netos.  Era assim com tio João e tia Regina.

A casa da Olga ficava no começo da reta do Porto[4] junto ao trilho da linha ferroviárias do ramal Morretes-Antonina. A casa era cerca por algumas árvores e arbustos menores que a deixava escondida para quem passava pelo caminho ao lado dos trilhos e pela estrada. Mas havia alguns caminhos e um deles dava acesso à reta do Porto.

Numa das minhas idas à casa da Olga fiz a cobrança e saí na reta no exato momento em que tio João Fante passava. Ele se assustou a me ver saindo por aquele caminho e me perguntou de onde eu vinha. Ele sabia, pois quem saía por ali só podia ter vindo da casa da Olga. A preocupação dele era grande. E me contou a história da Rosa Homem.

Rosa era mulher até a meia noite. Quando o relógio batia a ultima badalada ela virava homem. E o homem que estivesse com ela, teria que “virar” mulher, ou fugir pulando a janela. Aquele caminho que ele me viu sair era a rota de fuga dos que conseguiam fugir.

Todo guri é curioso e quis saber se ele, alguma vez teve que fugir da Rosa Homem e pulado a janela. Ele me disse que não. Não foi do tempo dele, mas os amigos falavam dos que tiveram que fugir.





[3] É um neologismo, pois não encontrei uma palavra para definir a oposição às expectativas de virtudes atribuídas à segunda Eva. Antes do episódio da maçã. O mito de Lilith voltou a ser contado pelos rabinos da Idade Média. Contavam estes mitos que Lilith não concordava em ter relações sexuais de forma subalternas sob Adão, mas não era satisfeita porque não era considerado certo Adão ficar sob ela. A posição que chegou até hoje conhecida como “posição do missionário”, também chamada de “papai-e-mamãe”. Ela reclamava, pois não entendia porque, se ela foi feita de barro como Adão tinha que ter uma posição subalterna. Por não ser atendida, abandonou Adão e foi embora. Adão ficou muito triste e pediu ao Senhor que a convencesse voltar. O Senhor enviou dois arcanjos à procura; depois de muito procurar Lilith foi encontrada. Os arcanjos deram o recado, talvez de forma não tão diplomática. Lilith ficou muito zangada e mandou os arcanjos embora. Em resposta o Senhor deu-lhe um castigo: seus primeiros cem descendentes morreriam. E Lilith foi  transformada, segundo estes mito, num súcubo, demônio de forma feminina, que perseguia os homens até ter relações sexuais com eles, enquanto dormiam, geralmente homens solitários, até consumir toda a sua energia vital. A forma masculina do súcubo é o íncubo.
[4] Estrada que liga Morretes ao distrito do Porto de Cima.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

A vidraça do ginásio

Na metade de 2003 recebi um recado que me alegrou muito. Era de Roselis Latuf avisando-me que estava organizando um almoço comemorativo aos cinqüenta anos da nossa formatura ginásio. Já chegamos ao nosso quarto almoço. É um momento em que nos desligamos da Morretes de hoje. Também do mundo de hoje. Passamos a relembrar o mundo daquele tempo.  De muitas coisas guardadas nas sombras da memória. Um lembra um pedaço, outro mais um pedaço e logo a imagem da memória fica completa. E podemos comparar a vida de Morretes de então e a Morretes de hoje.

Eu e Osvaldo Colodel (Valdinho) somos amigos desde o jardim de infância e por isto temos muitas histórias em comum para recordar. Num intervalo de aula, no ginásio, Valdinho estava sentado na carteira e eu dei uma chave de braço fazendo-o quebrar a vidraça com os pés. Foi vidro por todo o lado. Dona Rosinha, a zeladora, correu ver o barulho e avisou: dêem um jeito nisto antes que o Dr. Melo saiba. Dr. Melo era o diretor do ginásio.

Depois do almoço Valdinho foi a minha casa me chamar para consertar o estrago. Tínhamos que fazer alguma coisa, pois ele era vizinho do Dr. Melo e eu tinha a minha mãe, professora e muito severa. Era complicado ser filho de professora; teria que ser o exemplo[1]. Mas consertar como se nenhum de nós tinha algum centavo? Ele deu a idéia de vender garrafas e jornais velhos para conseguir dinheiro.

Com um monte de jornais fomos ao negócio do Marquinho (que se transformou, bem mais tarde, no Malucelli da Visconde). Quem comprava era o Máximo Salomão, ou um dos Joanitos, o Malucelli ou o Airosa. Olhavam bem a boca da garrafa para ver se não estava quebrada, em condições de ser fechada com a chapinha, ou champinha no nosso linguajar. Procurávamos o Tonico Nhão para pesar os jornais, ele não reparava, ou fazia que não via, a nossa ajudinha com a ponta dos dedos para tornar os jornais mais pesados.

Feita a venda, conseguimos algum dinheiro e fomos á oficina seu Euclides de Freitas para nos ajudar. Era um marceneiro de primeira. Fazia de tudo. Arrumava de tudo que fosse de madeira. Era quem melhor conhecia os segredos de fazer um bom caixão de defunto. Era o entendido das cores do caixão segundo o sexo e a idade do(a) finado(a). Entendia de cores de caixão mais que o Padre Camargo, pois ele costumava perguntar a nós, sacristãos (depois chamados de coroinhas, com a globalização). Como éramos nativos, dávamos a informação correta. E tínhamos que saber para dar o toque de sino certo. O toque era unisex. Claro, até recentemente as almas e os anjos não tinham sexo!

Não bastasse, seu Euclides era músico da Euterpina. Era um conjunto musical que também era banda, orquestra e tudo o que lhe coubesse fazer. Seu Euclides tocava tuba. Ele contou, certa vez, que não havia jeito de sair som da tuba. Alguém, por malvadeza, jogou um pão de sanduíche dentro da tuba; com a saliva o pão inchou e entupiu a passagem do som.

Além de todas estas suas habilidades profissionais e de pessoa excepcional, era um bom professor de marcenaria e um consultor financeiro. Chegamos lá e contamos o nosso problema. Para que serviriam os nossos parcos cruzeiros? Seu Euclides nos emprestou as ferramentas necessárias e nos mandou limpar e medir o local do vidro e medir com cuidado.

O ginásio funcionava somente pela manhã. Tivemos que procurar a dona Rosinha para abrir a porta para permitir a nossa entrada no recendo do ginásio.

Dona Rosinha, esposa do seu Manequinho Goiabeira, oficial de justiça, filha de dona Isaura, irmã do Carlito Butiá e mãe do Josué. E mais que tudo isto, uma amiga dos alunos. Fizemos um serviço de profissional.

Ainda deu tempo para ir ao matadouro ver o seu Felix matar boi. Seu Felix era o herói da gurizada, fazia do mesmo jeito que faziam os cowboys dos seriados que passavam depois dos filmes no cinema do seu Nhozinho. Mas perdi o chimarrão das três na alfaiataria do Honilson Madalozo.

Mas ainda havia uma preocupação, a preocupação do dia seguinte: enfrentar o Dr. Melo.

Todos os alunos entravam em forma antes de as aulas começarem. As meninas na frente e os meninos atrás. E por altura, dos mais baixos aos mais altos. Cada um sabia o seu lugar. Cantávamos o hino Nacional, algumas vezes, o hino do Paraná ou o de Morretes outras vezes. E era o momento em que o diretor se dirigia a todos os alunos.

O dia seguinte, para mim e para Valdinho seria a hora da onça beber água. Estávamos contando com uma suspensão. Ninguém ainda havia quebrado vidro de uma janela do ginásio. Iriam dizer: o filho de Dona Dulce? Filho de professora tinha que ser santo. Tão santo que Dom Ático Eusébio da Rocha, arcebispo de Curitiba queria que eu fosse para o Seminário! Hoje eu seria um santo homem, preocupado com as coisas divinas. Logo os dois sacristãos, comentariam; a gente até encomendava almas nos enterros quando o Padre estava almoçando!

Doutor Melo começou o seu discurso dizendo que no dia anterior havia acontecido uma coisa muito feia... suspensos por suspensos, interrompemos o seu discurso e mostramos a janela consertada. Ele olhou para a janela e continuou: “e como estava falando e como a coisa feia foi consertada...”. Ficamos livres de uma suspensão.

Assim eram os alunos do antigo Ginásio Estadual “Rocha Pombo”.



[1] - Depois de velho descobri que eu não fui exemplo como imaginava. Izaltino me denunciou. http://mergulhandonavirtualidade.blogspot.com.br/2013/11/carta-aberta.html