quinta-feira, 30 de julho de 2009

Como e quando vim para São Paulo.

22 de janeiro de 1957. Uma segunda feira. Estava numa fila na porta do almoxarifado da “Base Aérea” do Bacacheri para entregar o fardamento e licenciar-se do serviço ativo da FAB. Havia completado o serviço militar. Chegou a minha vez e o soldado que atendia não encontrava o meu nome. Chamou o sargento, ele olhou para mim e perguntou:

- Cherobim, o que você está fazendo aqui?

- Dando baixa, ora, respondi.

- Não, você não sabe que foi transferido para o Contingente do QG em São Paulo?

- Mas eu não quero ser transferido, quero dar baixa.

- Ah, você agora pertence ao QG. Vá para a Companhia, volte a colocar a farda e esperar a ordem de embarcar.

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-

Não tive alternativa a voltar a colocar a farda, amarrotada e “retornar à vida militar”.

Eu sabia da transferência. A minha idéia era vender o caminhão o meu pai e comprar um trator Caterpillar D8, o verdadeiro sonho de consumo na época em que se construíam estradas no Paraná.

Antes eu fora aprovado para fazer um curso de cabo em sistemas hidráulicos, no Parque da Aeronáutica, mas vi seu Alfredo Conforto passar na avenida defronte ao quartel e parar num restaurante enquanto esperava o avião para vir para São Paulo. Corri lá e fui passear em Morretes. Perdi o vôo e fui desligado do curso de cabo que nem começara. Consegui entrar no curso de cabos radiotelegrafistas.

No final do curso, eu, Suzuki e Gaertner fomos reprovados no exame de radiotelegrafia. Machado, Skaf e Gumercindo, que já tinham noções de telegrafia foram aprovados e promovidos a cabo. Nós, os reprovados, fomos promovidos a soldados de primeira classe, S1. E os seis transferidos para o QG em São Paulo para trabalharmos no Serviço de Proteção ao Vôo. Os cabos eram engajados por dois anos e os S1 por um ano.

A nossa viagem para São Paulo foi marcada para o início de fevereiro. De trem. Uma viagem que demorava cerca de 30 hrs. De Curitiba a Itararé ia-se pela RVPSC (Rede Viação Paraná Santa Catarina). De Itararé a São Paulo, Capital, pela Sorocabana. Cerca de 30 horas de viagem. Seis “fabianos” viajando de trem. Na verdade sete.

Cigano, digo, Florival, um cabo escrevente da nossa turma, resolveu fazer turismo em São Paulo. Foi na estação se despedir e na hora da partida resolveu embarcar e vir junto. Ele não tinha dinheiro e em passagem. A nossa passagem era uma requisição de passagem da Aernáutica.

Descobrimos que Cigano havia embarcado o dia já estava claro. Resolvemos nos espalhar no trem para que o chefe de trem nunca contasse os sete juntos.

Paraná e São Paulo, naquele tempo, eram dois mundos diferentes. Duas horas e tanto nos velhos DC3 de passageiros, ou na sua versão militar, o C47. Doze horas de ônibus, em estrada de terra, quando não encalhava em ter Apiaí e Guapiara, ou trinta horas ou mais horas de trem, no nosso caso.

Escrevi para Aidê, minha prima, para ir com Rose, uma guria que namorei, para vê-las na estação de Palmeira. Viajar para São Paulo naquele tempo era sem expectativa de volta para passear em curto prazo. Ainda mais soldados com salários de soldados.

Ao chegar a Palmeira, nada das duas. Via a casa de tio Jango lá longe, a serraria de tio Chico, mas próxima da estação. O trem apitou, subi na plataforma e Palmeira foi ficando para trás.

Era madrugada quando chegamos a Itararé. Mudança de administração da estrada de ferro. O chefe de trem da Sorocabana descobriu que a nossa requisição não era de passageiros, mas de carga. Queria que ficássemos ali. Negamos-nos a sair do trem. Ameaçou a chamar a polícia. Pedimos que chamasse, mas teria que se a da Aeronáutica em Curitiba ou em São Paulo. Pós adolescentes marrudos!

Conversa vai, conversa vem, depois de umas duas horas de atraso o chefe de trem permitiu-nos ir até a estação da Barra Funda, na época terminal de cargas.

Chegamos ao QG no final da tarde. Ficava no largo Santa Ifigênia e ocupava o prédio do Hotel Regina, onde houve o famoso crime da mala. O quarto onde foi praticado o crime era o alojamento dos soldados de serviço e dos que ficavam detidos. Nas vezes que fiquei detido nunca vi fantasma nenhum.

Uns vinte dias depois os três cabos (Skaf, Gumercindo e Machado) retornaram para Curitiba e levaram Cigano de volta e os três S1 (Cherobim, Suzuki e Gaertner) foram designados para trabalhar na estação principal de proteção ao vôo, em Congonhas.

Isto há 52 anos! Fui “mandado embora” do Paraná como carga e por aqui continuo.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Minha vida como fotógrafo... xereta

As lojas Dulcal se não foram as primeiras, pelo menos foram umas das primeiras lojas de venda a crediário em São Paulo. Eram lojas que vendiam roupas feitas (outra novidade!) e também  máquinas fotográficas, canetas tinteiros, etc.

Naquele tempo tinha-se que andar de paletó e gravata. Sem isto não se entrava nos cinemas. Não era de bom tom andar de paletó e sem gravata.Década de cinqüenta, quando esta desvairada paulicéia ainda era a terra da garoa, havia a capa e o chapéu de shantung. E galocha! E o grande desejo de consumo era a Rolley. Quem não tinha dinheiro para satisfazer este desejo fotográfico ia de Beautiflex com filme 120. De longe era uma Rolley. Não era pirata, A China estava iniciando o seu Grande Salto sob a liderança de Mao e pirataria, na época, era uma atividade das tripulações de navios corsários.

A sensação fotográfica era a Rolleyflex, as primeiras máquinas reflex ou TLR (Twin Lenses Reflex=lentes reflexivas gêmeas. Ver http://pt.wikipedia.org/wiki/Rolleiflex.org/wiki/Rolleiflex). Esta nova tecnologia diminuiu a quantidade de fotografias fora de foco. Até então tínhamos que ter olhos para a distância focal, luminosidade, abertura de diafragma. O resto continuava na sensibilidade do fotógrafo, pois todos os recursos das máquinas eram mecânicos. Os filmes eram tamanho 120.

Os felizes proprietários das Rolley puderam mais tarde adquirir uma máquina com um adaptador para filmes 35mm, então chamados de filmes 135. Podiam usar filmes 120 e 35. O fotograma do filme 120 era 6 X 6cm e as cópias eram por contato.

Em 1957 comprei uma Beautflex, lembro bem. Era uma Rolley genérica. Com filmes 120. Em 1959 trabalhava em Goiânia e o dono de uma loja de fotografia propôs uma troca, a minha Beaut por uma sensação do momento, a recém lançada Yashica 44LM. LM era o fotômetro, light meter. Usava filme 127 e o fotograma 4 X 4 cm.

Nesta época os pobres mortais não conseguiam comprar filmes coloridos. Os pobres quando queriam uma foto colorida, eram fotos ampliadas coloridas, isto é, pintadas a pincel.

Fui para Xavantina com esta minha nova aquisição; começava a ficar dependente do fotômetro, mas não confiava muito pois ele funcionava sensibilizado pela luz e nunca funcionava como queríamos. Não era dependência total.


Em Xavantina havia um local muito bonito, paradisíaco, com um lago onde os evangélicos de Barra do Garça, Aragarças e região realizavam os batizados. Eu me tornei o fotógrafo. Não por ser bom fotógrafo, mas por ser o único.

Quando saiu a minha transferência comprei uma copiadora e kits de revelação, lâmpada vermelha, papel, etc. O básico de um laboratório. Até então eu sabia a teoria, mas nunca havia revelado nenhum filme.

Quando foi tentar revelar o primeiro filme surgiu o primeiro problema: onde? Como? Não havia câmara escura e nem luz elétrica. Transformei o banheiro da estação rádio em câmara escura e ligava o grupo gerador para ter energia elétrica.

A revelação do filme era direto na bacia, sem carretel, sem nada. No dia seguinte, com os filmes seco, fazia as cópias. Eram cópias de contato, portanto 6 X 6cm. Não tinha ampliador.

A copiadora era uma caixa de metal com uma lâmpada. Sobre ela um vidro despolido e na parte superior um vidro transparente e sobre ele uma tampa. O filme era colocado sobre o vidro e sobre ele o papel sensível. Ah, um interruptor. Aí estava o segredo: Testar o tempo segundo a exposição do filme. E também de acordo com a lâmpada, 40, 60 watts, ou velas, como se dizia. Vinte, vinte e um...

Precisei, até,fazer uma copiadeira de caixote,usando o principio a de metal. Fou usado um caixote, comuns naquela época, para embalar duas latas de 20 litros de querosene

Com a prática bastava ver o filme, sabia-se o tempo. Da mesma forma, para se fotografar, sabia-se qual era a abertura do diafragma e a sua relação com a velocidade. Ou regular a abertura no objeto. Se queríamos fundos nítidos ou sem foco.

A fotografia me permitia beber e comprar bala calibre 22 para tirar fundos de garrafa fazendo a bala entrar pelo gargalo sem o quebrar. A Bíblia me dava a grana para gastar em coisas anti-bíblicas.

Quando fui para o Xingu levei uma máquina moderna (para a época), 35mm, profissional, mas toda mecânica. Babei. Esta máquina era do Almir Tolstoi da Rocha Pitta, meu amigo e que não está mais entre nós. Ele fez questão que eu levasse a máquina em agradecimento aos dois litros de cachaça de Morretes, um de cana e outro de banana, especial para levar ao Japão.

Em 1973 saí da FAB e fui para o Amazonas. Comprei o meu sonho de consumo:(de então) uma Minolta SRT-101. Uma máquina profissional e como todos os profissionais de então faziam questão que fosse mecânica. Esta tinha um fotômetro com bateria. E eu me sentia habilitado para tal pois no ano anterior fiz um curso de fotografia para antropólogos no Museu Paulista, ministrado pelo Antônio Macedo, um fotógrafo de etnologia e que trabalhou com Harald Schultz, um fotógrafo que se tornou etnólogo.

Quando fui para o Amazonas, época fértil da Zona Franca de Manaus, adquiri os acessórios que tinha direito. Uma zoom de 300mm, uma lente “olho de peixe” de 70º, uma copiadeira de slides usando o corpo e a lente da máquina. E um laboratório completo. E aqui em São Paulo era o tempo das sessões profissionais da Fotótica e da Cinótica. Trouxe do Amazonas cerca 3.000 slides.

Esta máquina me acompanhou até há uns 10 anos quando me foi oferecida uma outra Minolta eletrônica,modelo 3xi Panorama, com uma lente zoom de 30omm. Foi a primeira máquina de uma mulher; achou que era muito complicada para o que queria. Resolver vender a máquina para adquirir uma digital compacta. As únicas que havia, pré história das atuais digitais.
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Que máquina complicada! Para mim. Tive que estudar o manual. Na mesma época resolvi adquirir uma digital da Kodak, a LS420. Já havia passado da pré-história das digitais. Custou mais caro que a Minolta. Era o início das máquinas digitais e os primeiros pagam pela novidade.

Escrevi este texto motivado pela notícia de que a Kodak vai tirar da linha de produção o filme kodachrome. Morreu aos 79 anos. Nunca usei, mas quando um produto quase centenário deixa de ser produzido é como uma morte, mesmo para quem nunca usou. Já se prevê para as máquinas analógicas (com filmes) um futuro incerto.


Hoje carrego uma máquina fotográfica no bolso da camisa com uma potencialidade que pouco deve às duas pesadonas analógicas. E cumpre com o objetivo: tirar fotografias a custo quase zero
As máquinas digitais secularizaram a fotografia. Nunca se tirou tanta fotografia como hoje; quem adquire um celular recebe com ele uma máquina fotográfica e as fotografias das máquinas atuais rivalizam com as fotografias com filmes. Se bem que o princípio é o mesmo: os grãos nos filmes, os pixels nas digitais. Mas o que temos hoje resulta de um processo que vem desde as primeiras máquinas, rudimentares, mas as de negativo de vidro. E quando isto acontece, vem junto uma porcão de modificações no mercado. Muitas profissões deixam de existir e surgem outras.

Na década de noventa orientei uma dissertação de mestrado que tinha como tema o fotógrafo lambe-lambe, ou fotógrafo de praça. Estes fotógrafos estavam sendo substituídos na época, por outros, com máquinas polaróides, chamadas de fotografias instantâneas. Desapareciam os arquivos de negativos dos fotógrafos onde era possível acompanhar o modo das pessoas numa determinada época.

Os registros desaparecerão? Hoje ao percorremos os “sites” de relacionamento deparamos com milhares de fotografias. Hoje coloridas e de melhor qualidade porque as máquinas são melhores e mais baratas.

Fica o registro.